O Ato que Me Faz Humana

Dispo-me 
quero sentir o frio me afagar
sentir a vida na pele
na mandíbula trêmula
nos olhos afogados de mar
quero afogar-me na angústia
que me cumprimenta 
e sustenta minha dor
de não saber de nada
de não saber do além
dessa vida entregue
nas minhas próprias mãos

A música que toca é mansa
e acaricia-me com ternura
é triste ver-me assim
numa quase deterioração
num encolhimento fetal
à espera de uma asa
que me envolva como manta
como um novelo de lã
afinal, nascemos por um triz
e vivemos na ascensão
de uma queda sem chão
mas ainda assim finita

Luto demasiadamente
com o ato que me faz humana
– pensar, insistentemente pensar –
e rogo por algo melhor
algo que me abra os olhos
e me mostre um horizonte
vasto e claro como o amanhecer
singelo como o amor verdadeiro
livre de julgamentos 
solto num ar não corrompido
breve como um pôr do sol
suave como o respirar
e leve como um sonho bom

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